ISS não incide sobre industrialização por encomenda de bens utilizados como insumo

Uma relevante disputa por arrecadação entre Municípios e Estados está provocando prejuízos significativos aos contribuintes. Ela refere-se à tributação das operações de industrialização por encomenda (beneficiamento). De um lado, os Municípios exigem o ISS independentemente da destinação do objeto da encomenda. Já os Estados, não abrem mão da cobrança do ICMS. Em Santa Catarina, o impasse ganha ênfase em Criciúma, onde se encontram instaladas diversas facções industriais.A controvérsia situa-se no campo das chamadas operações mistas, nas quais há prestação de serviço aliada ao fornecimento de bens. No caso, uma empresa, a encomendante, remete material a outra empresa, que realizará o seu beneficiamento, com posterior devolução do produto obtido. Esse produto pode destinar-se ao consumo pela própria encomendante, incidindo o ISS, ou ser utilizado como insumo em etapa de industrialização subsequente ou revendido, sendo devido o ICMS.Esse cenário retrata o fenômeno da terceirização, marcado pela segmentação das várias etapas do processo industrial, com intervenção de diferentes agentes econômicos na cadeia produtiva. Cada um executa uma etapa específica, ficando garantidas a qualidade e a produção em escala. Oposta ao sistema verticalizado, a terceirização é uma realidade mais adequada ao mercado atual e favorece o desenvolvimento das facções.O deslocamento de uma fase do ciclo produtivo para terceiro, no entanto, não transforma a industrialização em prestação de serviço, não se verificando o fato gerador do ISS. Para fins de tributação, é indiferente se o processo industrial é realizado todo por uma única unidade ou se uma parte é deslocada para outra empresa especializada em determinada etapa.Os conceitos não podem ser alterados para gerar tributação não prevista na Constituição Federal. A vedação está no art. 110 do Código Tributário Nacional e protege a divisão das competências tributárias.Embora a atividade de beneficiamento, onde se insere a industrialização por encomenda, esteja elencada como serviço tributável pelo ISS no item 14.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03, é necessária a análise de cada caso concreto. Ou estará configurada efetiva prestação de serviço, com a incidência do ISS, ou a hipótese será de terceirização de uma etapa industrial, incidindo apenas o ICMS.O critério de distinção reside na destinação do produto beneficiado. Se o encomendante é o consumidor final, existe prestação de serviço, fato gerador do ISS. Nesse caso, o produto é personalizado, possuindo especificações singulares, para o seu uso exclusivo. Se o produto é aplicado em nova etapa de industrialização ou comercializado, caracteriza-se terceirização, não cabendo a cobrança de ISS sobre a atividade meio.Assim, mesmo que não conste no item 14.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 - como ocorria no item 72 da lista anexa à Lei Complementar nº 56/87 - a ressalva quanto ao beneficiamento de produtos destinados à industrialização ou comercialização deve ser entendida como implicitamente mantida.O STF já reconheceu que não cabe a cobrança do ISS sobre a confecção por encomenda de embalagens destinadas à integração ou utilização direta em posterior processo de industrialização ou circulação de mercadorias, mediante acondicionamento. Outro exemplo é o beneficiamento de chapas de granito e mármore, por meio de corte, recorte e polimento, para posterior comercialização pelo encomendante. Com relação à composição gráfica, só sofrerá a incidência do ISS, prevista na Súmula nº 156 do STF, quando o produto for destinado ao uso exclusivo do encomendante, atendendo apenas aos seus interesses, com elevado grau de personalização, a exemplo de talonários de notas fiscais e cartões de visitas.A exigência do ISS sobre a industrialização por encomenda de produto que será utilizado como insumo ou posteriormente revendido viola o princípio da não cumulatividade, pois a tributação que incidiu em uma etapa não se transmitirá às subseqüentes pelo mecanismo de débito e crédito. Tal fato provoca a majoração da carga tributária incidente sobre a operação, criando um efeito cascata, já que haverá a incidência prévia do ISS e depois do ICMS e do IPI, sem qualquer crédito a ser tomado ou abatido.O entendimento de que o ISS não incide sobre a industrialização por encomenda de produtos destinados à industrialização ou comercialização não prejudica os Municípios, que participam de 25% da arrecadação do ICMS, conforme o art. 158, inc. IV, da Constituição Federal.Portanto, é inválida a exigência de ISS sobre etapa intermediária do processo de industrialização, realizada mediante industrialização por encomenda. Essa cobrança pode ser questionada pelos contribuintes, pois há precedentes favoráveis do STF afastando a incidência do ISS, bem como manifestações da Comissão Permanente de Assuntos Tributários – COPAT da Secretaria da Fazenda de Santa Catarina no sentido da incidência do ICMS.Por FERNANDO TELINI, advogado tributarista, OAB/SC 15.727, e LUCIANNE COIMBRA KLEIN, advogada tributarista, OAB/SC 22.376.