Decisões judiciais fazem gastos previdenciários aumentarem

Fatia crescente dos benefícios previdenciários tem sido paga por força de decisões da Justiça. Resultado do trabalho inteligente de advogados e da falta de adaptação do INSS a mudanças de jurisprudência, de atualização dos métodos de avaliação de necessidades e do acompanhamento posterior sobre os casos decididos judicialmente.

No caso do auxílio-doença, alvo de um pente-fino do governo que começa no mês que vem, dos 2 milhões de benefícios concedidos em 2015, 4,6% têm origem em ações judiciais –em 2014, eram 3,6%.

Os índices são mais altos no BPC (Benefício de Prestação Continuada), uma pensão de um salário mínimo destinado a idosos e pessoas com deficiência. O percentual de concessões por ordem da Justiça saiu de 16,9% em 2014 para 18,7% no ano passado e deve chegar a algo próximo de 21% em 2016, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

Entre as pessoas com deficiência, o índice foi de 29,6% no ano passado.

"O problema de avaliação não está em a pessoa ter ou não a deficiência, mas na questão econômica: ela ser ou não insuficiente de recursos", diz o juiz federal José Antonio Savaris, especialista em questões previdenciárias.

A legislação diz que, para terem direito a esse benefício, os cidadãos precisam ter renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo (hoje, um valor de R$ 220).

Mas nos últimos anos magistrados vinham indicando que o critério deveria ser flexibilizado, levando em conta aspectos sociais do candidato. Em 2013, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a restrição inconstitucional, mas o INSS ainda não adequou suficientemente sua avaliação, o que abriu brecha para mais ações judiciais.

"Às vezes a avaliação social da pessoa não tem peso algum, porque o critério da renda por si só já faz o benefício ser indeferido", afirma Naiane Louback, assistente social do INSS e especialista em políticas públicas.

Hoje, 4,35 milhões de beneficiários recebem o BPC no Brasil, um custo de R$ 45 bilhões à Assistência Social –8,8% por ação judicial.

Alberto Beltrame, secretário-executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, diz que o governo estuda criar um algoritmo para mudar os critérios do benefício. A fórmula levaria em conta a renda do cidadão, que seria estendida até ao máximo de meio salário mínimo per capta, e o grau de dependência causada pela deficiência.

Ele dá como exemplo uma família com um filho com microcefalia causada pelo vírus zika: se só o pai trabalhar e ganhar um salário mínimo, a família não teria direito ao benefício só pelo critério matemático. "Mas nesse caso, é possível que a criança tenha uma dependência grave, então entraria no sistema", diz.

De acordo com o secretário, o INSS não faz desde 2008 uma revisão nos benefícios concedidos por via judicial, chamando os beneficiários para novas avaliações. Isso deve ser feito depois que a fórmula for finalizada, algo parecido com o que vai acontecer com as pessoas que recebem auxílio-doença.

PENTE-FINO

A partir do mês que vem, o governo vai notificar 530,2 mil cidadãos que recebem o auxílio-doença há mais de dois anos sem a realização de perícia –99,2% deles ganham os valores por ordem judicial, diz o Ministério do Desenvolvimento Social.

Serão chamados também aposentados por invalidez de até 60 anos que também não tenham passado por perícia de 2014 para cá.

A avaliação médica deve ser feita a cada seis meses, independentemente da origem da decisão (administrativa ou judicial). Mas, segundo Alberto Beltrame, secretário-executivo da pasta, quem tem o benefício por via da Justiça não é chamado há anos.

 

Folha de São Paulo