Maioria do STF é favorável a acesso de dados bancários pela Receita

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou nesta quinta-feira a constitucionalidade da regra que permite à Receita Federal monitorar movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas sem autorização judicial. Com base nessa lei, foi editada Instrução Normativa no ano passado determinando que os bancos informem ao Fisco movimentação financeira mensal acima de R$ 2 mil feita por pessoas físicas e acima de R$ 6 mil feita por pessoas jurídicas. Até agora, foram dados seis votos a favor do Fisco e um contra. O julgamento será retomado na próxima quarta-feira. Quatro ministros ainda votarão. Quem já votou ainda pode mudar de posição, mas é pouco provável que haja reviravolta no placar.

Estão em julgamento quatro ações diretas de inconstitucionalidade de autoria da Confederação Nacional do Comércio (CNC), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Partido Social Liberal (PSL) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Também está sendo analisado um recurso proposto por um contribuinte, com repercussão geral – ou seja, a decisão tomada pelo STF no caso específico terá de ser aplicada por juízes de todo o país no julgamento de casos semelhantes.

Segundo as ações, a regra da Receita Federal fere as garantias constitucionais à intimidade e ao sigilo de dados pessoais. Para a maioria dos ministros do STF, a norma não representa quebra de sigilo, porque as informações seriam apenas transferidas das instituições financeiras para o Fisco, sem serem divulgadas a outros órgãos ou pessoas. Portanto, o sigilo estaria mantido. Os ministros também ponderaram que a norma é importante para garantir a arrecadação de impostos e evitar crimes – como a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro e a corrupção.

Os dois relatores das ações, ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, defenderam a legalidade da legislação. Concordaram com eles os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Eles ponderaram que auditores da Receita que vazaram informações sigilosas a respeito dos contribuintes podem ser responsabilizados administrativamente e criminalmente por eventual desvio de informações

 

— O direito à intimidade e à proteção da vida privada dos indivíduos são direitos fundamentais de extrema importância. Contudo, considero que a oposição do sigilo bancário à administração tributária não tem relação direta com tais garantias fundamentais. O sigilo de informações financeiras não se encontra no núcleo essencial do direito à intimidade e, portanto, é passível de restrição razoável pelo legislador, principalmente compatibilizada com o dever fundamental de pagar tributos — disse Barroso.

 

Os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, ponderou que o poder público não pode ter o direito de vasculhar as contas dos contribuintes arbitrariamente, sem autorização do Judiciário. Segundo esses ministros, a quebra de sigilo bancário deve ser justificada pelo indício do cometimento de algum crime; não deve ser feita de forma automática, para verificar eventuais irregularidades das quais não se tem suspeita alguma.

 

Marco Aurélio ponderou que o Judiciário é um poder equidistante para decidir quebras de sigilo com isenção em relação a conflitos de interesses. Ele rebateu o argumento de que a norma do Fisco não é quebra de sigilo, mas apenas compartilhamento de informações.

 

— Como leigo, eu faria um paralelo: considerado o segredo que é passado a outrem, continua sendo segredo? Não, deixa de ser segredo — alegou.

 

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O ministro também afirmou que, para quebrar o sigilo de alguém, o órgão público precisa ter evidências de que houve ilegalidade:

 

— No Brasil, pressupõe-se que todos sejam salafrários, até que se prove o contrário. A quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público.

 

Na quarta-feira, votarão os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux e o presidente, Ricardo Lewandowski.

 

Os processos questionam a Lei Complementar 105, de 2001, que autorizou as autoridades fiscais a acessar informações bancárias dos contribuintes sem necessidade de decisão judicial autorizando a quebra do sigilo. Em julho de 2015, a Instrução Normativa 1.571 determinou que os bancos informem ao Fisco movimentação financeira mensal acima de R$ 2 mil feita por pessoas físicas e acima de R$ 6 mil feita por pessoas jurídicas. A Instrução normativa criou a e-Financeira, um sistema que obriga as instituições financeiras a informar eletronicamente essas transações à Receita Federal.

 

A entrega de dados não ficará restrita aos bancos: seguradoras, corretoras de valores, distribuidores de títulos e valores mobiliários, administradores de consórcios e entidades de previdência complementar também terão de fazê-lo. Com esses dados, o Fisco vai cruzar informações para verificar se há compatibilidade com os valores apresentados na declaração do Imposto de Renda.

 

O julgamento começou na quarta-feira, com as sustentações orais das partes interessadas na causa, contrárias e favoráveis à legislação.

 

— É uma quebra automática do sigilo e de forma permanente. A administração tributária não deve ter esse livre acesso, porque devem ser respeitados os direitos fundamentais dos contribuintes. Esse é um ponto insuperável — argumentou o advogado Sérgio Campinho, representante da CNI.

 

Coube à Advocacia Geral da União (AGU), à Procuradoria Geral da República ao Banco Central defender a legitimidade da regra da Receita Federal.

 

— A lei complementar disciplina o sigilo das informações financeiras. Não se tem uma quebra do sigilo, o que se tem é uma transferência do sigilo. As instituições financeiras transferem à Receita Federal a ciência em torno dessa movimentação. A lei assegura a preservação do sigilo do cidadão e da pessoa jurídica. A Secretaria da Receita Federal assegura o sigilo dessas informações — afirmou Grace Mendonça, representante da AGU.

 

O Globo