Mesmo 'camarada', MP do Funrural é criticada

 

Após três meses de negociações com o setor de agronegócios, o governo finalmente editou  a Medida Provisória 793, que busca uma solução para as dívidas e os pagamentos futuros do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Com isso, o presidente Michel Temer também mirou angariar apoio da bancada ruralista do Congresso na véspera de a Câmara votar a primeira das denúncias de corrupção oferecidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra ele.


No mesmo dia de sua publicação no "Diário Oficial da União", porém, a MP já enfrentou fortes reações da bancada ruralista, que insiste em pedir mais prazo para a adesão de produtores e agroindústrias ao cronograma de renegociação e condições especiais de pagamento para frigoríficos. A medida já tem força de lei, mas Câmara e Senado têm até o início de dezembro para aprová-la - caso contrário, ela vai expirar.


A MP, que criou o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), deverá abrir espaço para a renegociação de cerca de R$ 10 bilhões em dívidas contraídas por produtores rurais que tenham vencido até 30 de abril de 2017 - desde 2009, milhares de produtores e empresas pararam de recolher ao Fundo, sustentados por liminares baseadas em um entendimento jurídico de que a contribuição era inconstitucional. Agora, a adesão precisa ser feita até 29 de setembro, mas entidades do setor já defendem mais prazo sob o argumento de que muitos produtores ainda não contabilizaram seus passivos.


Pela proposta, antes de começarem a pagar as parcelas atrasadas empresas rurais, agricultores e pecuaristas devedores terão que pagar uma entrada de 4% de seu débito total com o Funrural, sem descontos e em até quatro parcelas mensais (entre setembro e dezembro de 2017). A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) pedia 1%, e prometeu ontem mesmo emendas parlamentares para modificar esse e outros pontos de divergências.


Além da entrada, a partir de janeiro de 2018 o restante das dívidas será pago com redução de 25% nas multas e encargos legais e de 100% nos juros, em até 176 prestações (14 anos e oito meses) em valores equivalentes a 0,8% da receita bruta da comercialização rural. As parcelas não podem ser inferiores a R$ 100, no caso de produtores, nem menores que R$ 1 mil, no caso de empresas rurais.


A única exceção, e novidade, trazida pela MP ficou para agroindústrias com dívidas acima de R$ 15 milhões, para as quais não há previsão de prestações de 0,8% da receita bruta - ou seja, a dívida total com o Funrural será dividida em parcelas mensais. De acordo com o presidente da FPA, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), os frigoríficos são os que mais se opuseram a essa proposta, pois também queriam poder pagar 0,8% sobre a comercialização da produção.


As discussões finais em torno da MP também se estenderam por mais tempo que o previsto porque os frigoríficos, alegando ter dívidas de R$ 20 bilhões com o fundo, chegaram a pedir até 20 anos para quitá-las. Só a JBS, protagonista das delações premiadas que aprofundaram a crise política do governo, tem R$ 2 bilhões em dívidas.


No que depender da disposição do governo, principalmente da Receita, que entende que as negociações já se esgotaram, há uma margem estreita para mais concessões. Ao chegar ontem para um almoço com 52 deputados e senadores da bancada ruralista, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, sinalizou que o governo não trabalha com a possibilidade de fazer alterações na MP.


"A gente propôs aquilo que entendia que deveria ser a postura governamental. Agora é o momento de tratar com o setor diretamente, mas temos certeza que estamos no rumo do que já foi pactuado", afirmou Padilha.


Ainda que os ruralistas ainda tenham esperança de conquistar mais benesses, as condições de pagamento propostas na MP 793 foram elogiadas por advogados tributaristas, que compararam o texto com o último programa de regularização tributária apresentado pelo governo em outra MP, a 783, já em tramitação no Legislativo. Esta estabeleceu o último Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) e prevê o pagamento de uma entrada de 20% da dívida.


Apesar das divergências, há pelo menos um consenso: a MP reduziu de 2% para 1,2% a alíquota da nova contribuição previdenciária, que passará a ser paga a partir de 1º de janeiro de 2018. Dessa forma, a alíquota "cheia" de 2,3% - que inclui 0,2% destinado ao Senar (Sistema S) e mais 0,1% de Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) - também foi reduzida para 1,5%. (Colaborou Beatriz Olivon, de Brasília)

Fonte: Valor Econômico