Receita Federal – inconstitucionalidade do monitoramento das movimentações financeiras

As movimentações financeiras realizadas a partir de dezembro de 2015 passaram a ser constantemente monitoradas pela Receita Federal. Para a fiscalização, basta que a soma mensal dos montantes envolvidos nestas operações seja superior a R$ 2 mil, para pessoas físicas, e a R$ 6 mil, para pessoas jurídicas.

Essa é a determinação constante na Instrução Normativa RFB 1.571, publicada em 03.07.2015, ato que instituiu uma nova obrigação acessória, a chamada e-Financeira. A prestação dos dados é obrigatória para bancos, seguradoras, corretoras de valores, distribuidores de títulos e valores mobiliários, administradores de consórcios e entidades de previdência complementar.

O cumprimento da obrigação acessória ocorrerá no ambiente do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). A prestação das informações referentes a dezembro de 2015 deve ocorrer em maio. Após, o envio passa a ser semestral, caindo nos meses de agosto e fevereiro de cada ano.

A intenção do Fisco é cruzar os dados fornecidos na e-Financeira com aqueles lançados na declaração do Imposto de Renda ou com a movimentação do cartão de crédito.

A Instrução Normativa RFB 1.571 seria fundada no art. 5º da Lei Complementar 105/01, de acordo com a redação do próprio ato.

Contudo, o monitoramento das operações financeiras não tem amparo na referida lei e viola garantias constitucionais, não podendo ser tolerado pelo Judiciário.

A existência prévia de processo administrativo ou procedimento fiscal é condição da Lei Complementar 105/01 para que reste autorizada a quebra do sigilo bancário independentemente de autorização judicial.

No caso da e-Financeira, ocorre quebra de sigilo bancário generalizada, fundada no mero somatório dos valores das operações mensais, sem que haja processo administrativo instaurado em face do contribuinte e indícios prévios de sonegação fiscal. Portanto, não se trata da hipótese contemplada na Lei Complementar 105/01.

Assim, para a instituição da e-Financeira, seria necessária, no mínimo, a edição de uma lei específica. A exigência desta obrigação acessória pela Instrução Normativa RFB 1.571 viola a legalidade, consagrada no art. 5º, inc. II, da Constituição Federal. De acordo com a garantia, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

A quebra do sigilo bancário decorrente da e-Financeira é indevida também porque afronta os direitos fundamentais à intimidade, à vida privada e ao sigilo de dados (art. 5º, incs. X e XII, da Constituição Federal), bem como a competência do Poder Judiciário, já que cabe aos juízes, com a sua imparcialidade, analisar a relevância desta medida no âmbito de uma investigação e autorizá-la.

Por isso mesmo, a própria Lei Complementar nº 105/01 tem a sua validade questionada em cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ainda não julgadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse cenário, os lançamentos fiscais que vierem a ser emitidos com base na e-Financeira serão nulos, por se pautarem em dados indevidamente obtidos pelo Fisco. A Receita Federal não pode requisitar dados e informações bancários por meio de uma obrigação acessória geral, partindo do princípio de que todas as pessoas físicas e jurídicas são sonegadores.

A inconstitucionalidade da norma da Receita Federal que instituiu a e-Financeira já foi reconhecida em recente liminar proferida pela 1ª Vara Federal de Rondônia no âmbito de ação ajuizada pela Seccional de Rondônia da OAB. A decisão ordenou que as instituições obrigadas deixem de fornecer os dados de clientes que sejam advogados ou sociedades de advocacia, destacando a impossibilidade de acesso a informações protegidas por sigilo constitucional sem autorização judicial e a inconstitucionalidade da Lei Complementar 105/01.

FERNANDO TELINI e LUCIANNE COIMBRA KLEIN – Advogados Tributaristas

Fonte: Portal Contábil